Ethos Animalis

"Os animais não são nossos para comer, usar, fazer experiências, ou para entretenimento."

Por Rachel


Reduzir (reduce), refinar (refine), substituir (replace). Esta foi a “política” lançada em 1959 por Russel (zoologista) e Burch (microbiologista) para as pesquisas que envolvem o uso de animais. Mais de cinqüenta anos depois, ainda tentamos resgatar esse “mandamento” para os atuais procedimentos experimentais.
O ser humano, em sua essência, tem um poder de abstração enorme, extrapolando essa característica também para a criatividade. Inovação é uma palavra um tanto quanto intrínseca ao homem; parece-nos, no entanto, que esse substantivo nos tem faltado no ambiente de experimentação animal. A estagnação e o retrocesso são execráveis na história da humanidade; então, por que alguns ainda persistem nesse “degrau”?
Alguns encontros e premiações são promovidos para incentivar a progressão na área dos “três Rs”. Um exemplo é o “Alternative Methods to Animal Experimentation Award”, que reconhece uma contribuição considerável frente o desenvolvimento confiável de testes que substituem (replace) ou reduzem (reduce) o uso de animais em pesquisa científica. Dr. Flint, vencedor desse prêmio em 1986, no Reino Unido, foi um dos contribuidores para o avanço na ciência: seu método usou 2-3 animais em teste de cultura de células primárias obtidas do mesencéfalo de embriões de rato. As células são removidas dos embirões antes de sua diferenciação, e dentro de 5 dias de cultura, as células começam a se diferenciar. Sua frente de pesquisa foi o uso de agentes teratogênicos nas placas de cultura, que inibe ou altera a diferenciação das células em neurônios. Com esse seu método, apenas uma pequena quantidade de agente teratogênico é exigido: 10 a 20mg; em contraste, um teste completamente in vivo exigiria uma quantidade de composto teratogênico da ordem de gramas e se utilizariam cerca de 150 animais, levando um tempo de 4 a 6 meses para ser concluído.
Modelos moleculares e gráficos computacionais estão em voga na área científica. John Dearden, escritor do periódico ATLA (Alternatives to Laboratory Animals), em uma coluna do exemplar de Setembro de 1986, comentou esse assunto: tratava-se do VDU (Visual Display Unit), antigo PC, usado na representação molecular. A molécula podia ser disposta em diferentes ângulos e podia ser alterada à vontade do usuário do sistema; átomos ou grupos podiam ser coloridos como legendas, etc. Companhias de pesticidas, por exemplo, tem usado esses modelos virtuais cada vez mais, agora mais sofisticados.
Inúmeros modelos têm sido sugeridos à sociedade com enfoque no bem-estar animal. Por exemplo, para prevenir o aborrecimento, os animais deveriam de ter um ambiente enriquecido com atividades em suas gaiolas (já mencionado em 1925, por Yerkes); ou para evitar estresse causado por isolação social em macacos, cães e ratos, por exemplo, cientistas deveriam considerar a possibilidade de compartilhar animais no mesmo ambiente para almejar a socialização. Foi também assegurado por experiências que a manipulação do animal torna-se menos trabalhosa após esse processo. Profissionais da área, no entanto, ainda insistem no isolamento desses animais. Protocolos datados da década de 1950 citavam várias formas de se zelar pelo bem-estar do animal na experimentação científica.
De um modo curioso, as mesmas práticas ressurgem em protocolos mais recentes, especialmente no Reino Unido, país em que mais notoriamente se prezou pelos direitos dos animais. Um exemplo disso, é um artigo de 1989, relacionando diversas maneiras de se lidar com animais de laboratórios cujo objetivo é o estudo de neoplasias. Nesse documento, há recomendações gerais na manipulação dos animais: o modelo-piloto do experimento deve ser feito com um número pequeno de animais e ainda frisa que, em todos os experimentos, o número de cobaias a ser utilizado deve ser o mínimo possível.
O fato é que há inúmeros documentos cada vez mais recentes tentando resgatar todas aquelas recomendações já mencionadas previamente na década de 20. Uma questão a ser levantada é: por que necessitamos voltar, e voltar, e voltar nesse mesmo assunto? O que leva cientistas persistirem em uma prática ainda arcaica e desnecessária? Por que algumas normas e recomendações são seguidas em determinados países e em outros não? Será que os animais destes são diferentes daqueles?
Uma frase que pode ilustrar esse assunto como um todo seria esta: “Good science and humane ethics are consonant and complementary” (Boa ciência e ética humana são consoantes e complementares). A Bioética está à disposição para maiores esclarecimentos!

Por Flávio de Assis
Em 1975, O filósofo Peter Singer lança o livro Liberação Animal. Nesse livro ele expõe suas idéias contra o especismo, propondo uma nova visão ética em relação aos animais a partir de uma concecpão utilitarista. As idéias de Singer abriram espaço para o debate sobre o uso de animais em pesquisas, alimentação e entretenimento.
Influenciados pelas idéias de Singer e pelo crescente movimento da contracultura (típico da década de 70 do século XX) começaram a surgir grupos ativistas pela proteção dos direitos dos animais. As atividades de tais grupos incluem manifestações contra o uso de animais, denúncias de maus tratos, divulgação do vegetarianismo, pressão sobre redes de fast food, boicote aos produtos e pesquisas que utilizam animais... Alguns radicais atacam os pesquisadores, invadem os centros de pesquisas e espionam a comunidade cientifica para expor práticas de pesquisa com animais em laboratórios.
O maior e mais radical grupo ativista de proteção aos animais é o PeTA (People for the Ethical Treatment of Animals – Pessoas pelo tratamento ético dos animais) que possui mais de dois milhões de afiliados entres eles o ex-beatle Paul McCartney entre outras celebridades.
O objetivo do PeTA é a liberdade total dos animais, ou seja, a organização é contra: o consumo de carne, animais de estimação, zoologicos, circos, vestes de origem animal (lã, couro) e principalmente contra qualquer tipo de pesquisa cientifica ou médica com uso de animais. Seu lema é “Animais não são nossos para comer, vestir, usar em experiências ou para entretenimento.”
Fundada em março de 1980 por Ingrid Newkirk e Alex Pacheco, o grupo se tornou mundialmente conhecido em 1981 ao denunciar uma experiência cientifica na qual 17 macacos eram violentamente maltratados. O caso ficou conhecido como os macacos de silver spring. Alex Pacheco trabalhava no instituto de Investigação animal; mesmo local onde trabalhava Edward Taub. Taub fazia experimentos sádicos e crueis com macacos, desrespeitando a leis de proteção aos animais. Pacheco filmou a experiência e denunciou Taub. Os macacos foram resgatados e Taub sofreu penas legais, como a perda de incentivos financeiros as suas pesquisas. Trechos do vídeo-denúncia se encontram no filme “PeTA Anti Animal Testing”. Outra filmagem (também pode ser vista no mesmo vídeo) que fortaleceu o grupo foi do caso dos testes de spray de cabelo que deixaram coelhos-cobaias cegos.
Ironicamente, atualmente o PeTA sofre críticas e repressões por outros grupos de amantes de animais. Isso por causa de sua politica contra animais de estimação: O PeTA acredita que o desejo de receber e possuir o amor do animais é egoista e causa muitos danos aos mesmos, priva o animal de se envolver em seu comportamento natural: ”Eles são restritos aos lares humanos, onde devem obedecer a comandos e só pode comer, beber e até mesmo urinar quando os humanos lhes permitem.” Por esse motivo e pelo problema da super população de cães e gatos, o PeTA adotou a eutanásia para a maioria dos animais de estimação sobre sua tutela (animais abandonados nas ruas ou retirados de seus donos vitimas da maus tratos).
De Tal situação surge questionamentos filosóficos: Quem decide para os animais o que é melhor: morrer ou viver em um confinamento de escolhas?
Apesar da forte pressão exercida pelo grupos ativistas sobre a sociedade cientifica, não há um conseso entre os pesquisadores. Alguns pesquisadores defendem a abolição do uso de animais, outros defendem o uso; agurmentando que o uso de animais atualmente é indispensável para as pesquisas. A maioria defende o princio do três R’s, o qual foi proposto por Russel e Burch. Tal principio influenciou a atual legislação referente ao uso de animais em laboratórios. O três “R”s são Replacement (Substituição), Reduction (Redução) e Refinement (Refinamento).
Utilizar o princípio dos três “R” é buscar sempre que possível substituir a experimentação com animais passiveis de sentir dor por material não passível de sentir dor (Replacement), diminuir o uso de animais para o mínimo necessário e aumentar a qualidade do tratamento estatístico (Reduction) e utilizar todos os métodos possíveis para diminuir a dor e o sofrimento físico e psicológico das cobaias envolvidas (Refinemet).

Referencias:
Site do PeTA : http://www.peta.org/
Vídeo: PeTA Anti Animal Testing
http://www.youtube.com/watch?v=0QRBcHIIsXc&feature=related

Site e vídeo sobre a associação Anti-PETA:
http://www.petakillsanimals.com/
http://www.youtube.com/watch?v=MblfdR459Rk

www.wikipédia.org

Material de bioética do moodle: Peter_Singer_e_experimentacao_animal.pdf

Por Flávio de Assis M.T.
As primeiras manifestações, leis e sociedades em defesa aos animais surgiram na Inglaterra Vitoriana do século XIX; fruto, talvez das idéias de Jeremy Bentham. Bentham (século XVIII) foi um dos primeiros filósofos a discordar do pensamento cartesiano (os animais não possuem alma racional assim como os seres humanos). Bentham argumentou que o critério de identificação e respeito com os demais seres deve ser a capacidade de sofrer e não a capacidade de raciocínio. “A questão não é se eles pensam ou se eles falam, a questão é: eles sofrem.” Vários escritores e poetas simpatizaram com as idéias de Bentham e passaram a expressar em suas obras seu apoio e solidariedade a causa dos animais.
No século XIX, houve uma mudança de hábito na Inglaterra com a revolução industrial: Cada vez mais pessoas saíram dos campos em direção às cidades. As cidades afastaram o homem do habitat natural e aproximaram-no das máquinas. O afastamento da natureza fermentou o hábito de se criar animais dentro de casa nas grandes cidades inglesas. Foi o início dos chamados pets, animais que mantinham o contato dos seus respectivos donos com o campo, além de fazer-lhes companhia. Em alguns casos o animal de estimação era tratado com membro da família, podendo dormir no mesmo quarto ou até na mesma cama junto aos donos; tal hábito perdura nos tempos atuais.
A difusão de tal hábito mais as idéias de filósofos e artistas, em favor aos animais, colaboraram para a identificação entre os donos e os seus animas de estimação, e posteriormente englobando os demais animais.
A partir daí surgiram leis, sociedades e organizações em defesa aos animais: Em 1781 (final do século XVII) surge a primeira lei em benefícios aos animais. Em 1800 surge o primeiro projeto para acabar com as rinhas com touros e cães no Reino Unido. Em 1824 foi fundada a Sociedade para a prevenção de crueldades contra os animais, a qual se tornou Royal SPCA em 1840. Dedicava-se à aplicação das leis e à instauração de processos entre outras coisas. Depois vários outros países, ao exemplo inglês, criaram suas próprias organizações de proteção aos animais.
Em 1881, a Royal SPCA acusou David Ferrier, neurologista escocês, por não portar licença para operar animais em suas experiências. No entanto, logo foi esclarecido que as operações eram realizadas não por Ferrier, e sim por seu colaborador: o cirurgião Gerald Yeo, que possuía a licença e estava completamente de acordo com os trâmites legais. Além disso, as descobertas de Ferrier proporcionaram a localização de tumores e abcessos no sistema nervoso central por meio de sintomas e sinais clínicos; o que salvou e salva várias pessoas ainda hoje. Tal fato colaborou com a absolvição de Ferrier.
Desse acontecimento surgem dois questionamentos: Usar animais em pesquisas científicas é certo ou é errado? E o que se espera de um comportamento adequado com o uso de animais em laboratório?
Em 1934 surgiu no Brasil o decreto federal (número 24.645) que garante proteção a todos os animais, sem exceção. Em 1979 tal decreto se tornou lei. Estabeleceram-se, então, regras para o uso de animais em práticas didáticas e científicas. Tal lei engloba o registro dos Biotérios e Centros de Experimentação. Existe também o decreto de que cada biotério necessita da supervisão obrigatória de um médico veterinário. (Decreto Lei nº 64.704 de 17/06/69, Capítulo II, Art. 2º, itens "c" e "d).
Em 1984, o professor Fernando Sogorb da USP junto com um grupo de médicos veterinários funda o Colégio Brasileiro de Experimentação Animal (COBEA), que em 2008 mudou o nome para Sociedade Brasileira de Ciência em Animais de Laboratório (SBCAL). O objetivo da organização é promover o debater ético em relação ao uso de animais em laboratórios e fiscalizar se os princípios éticos (internacionalmente aceitos) estão sendo seguidos. Para tal a COBEA editou, em junho de 1991, os Princípios éticos na experimentação animal.
Os Princípios éticos na experimentação animal são um conjunto de normas para a utilização de animais em pesquisas e ensino. Essas normas zelam pelo planejamento das pesquisas e práticas didáticas de forma que reduza o número de animais ao mínimo necessário, diminua o sofrimento como for possível e somente utilizar animais quando realmente for imprescindível.
A maioria dos pesquisadores segue a conduta ética e possui a consciência que o animal estudado deve ser respeitado e é um ser passível de consideração. Apesar disso, “o pesquisador é muitas vezes apontado como um profissional frio e calculista, sem sentimentos (...) nenhum cientista, em sã consciência, teria prazer em maltratar animais”, escreveu Walter Colli no seu artigo na revista Ciência Hoje, Outubro de 2006.
Apesar de estarem de acordo com todos os princípios éticos, os pesquisadores enfrentam a oposição radical de grupos ativistas. Alguns exageram: atacam fisicamente e constrangem os pesquisadores. Ao exemplo do ocorrido com o professor Leopoldo de Méis da UFRJ. Apesar de seus experimentos serem aprovados pela comissão de ética, o professor Leopoldo foi acusado por maus-tratos com animais com base em uma foto tirada em seu laboratório ao qual mostrava coelhos expostos ao frio de 4 ºC. Foi chamado a depor na delegacia, onde explicou que tal espécie de coelho vive naturalmente nessas temperaturas.
O caminho para se retirar os animais dos laboratórios deve ser gradual; seja buscando alternativas (que tem se mostrado qualitativamente melhores), seja buscando maneiras de reduzir o número de animais e restringindo cada vez mais o uso para se evitar a futilidade.
Exemplo de futilidade em relação ao uso de animais:
Quando eu entrei na UnB pensava que uns poucos pesquisadores utilizavam animais em laboratórios. O segundo semestre foi uma surpresa: Geralmente se utiliza vários cachorros e rãs para as práticas de uma determinada matéria. Mas nesse semestre, por acaso ou sorte, o técnico veterinário se aposentou. A dificuldade de obter um substituto impossibilitou as práticas com os animais. A solução foi dar as aulas mostrando vídeos e fotos. Apesar do desapontamento de alguns amigos e colegas, tenho a certeza que aprendi a matéria muito bem, sem nenhum prejuízo em relação aos alunos dos semestres passados e não foi preciso sacrificar desnecessariamente mais um animal. Espero que a vaga de técnico veterinário não seja preenchida por ainda muitos e muitos semestres...

Referências:
http://enextranet.animalwelfareonline.org/Images/resources_Culture_false_A-History-of-Animal-Protection-Portuguese_tcm34-12137.pdf

http://www.rspca.org.uk (site da Royal SPCA)

Cem bilhões de neurônios, Roberto Lent. Página 397 – segunda edição.

http://www.cobea.org.br/ (Site da COBEA)

http://revistapesquisa.fapesp.br/?art=3445&bd=1&pg=2&lg= Artigo: “sem eles não há avanço” Fabrício Marques.

Por Roberto Lagarto

As sociedades ditas ocidentais têm como horizonte a igualdade entre os seres humanos, pelo menos em um plano ideológico. Acreditamos que todos/as os seres humanos são iguais e por isso estão todos/as sujeitos/as a mesma lei e moralidade de cada local. Apesar de ainda existirem vários focos de racismo e sexismo, ainda que de forma velada, a sociedade ocidental atual abomina manifestações diretas de preconceito. Ainda que vivamos sob a ótica da acumulação capitalista e da desigualdade, a moralidade vigente preza pela igualdade – sob a ótica da formalidade da lei – entre os seres humanos. Mas é cabível a reflexão: Somos todos/as iguais?

Nem o/a mais ferrenho/a defensora da igualdade, e/ou o ser humano mais contrário ao sexismo e o racismo discordará que somos diferentes. Somos altos/as, baixos/as, gordos/as, magros/as, propícios/as ao conhecimento de matemática enquanto outros/as preferirão se dedicar as reflexões éticas. Somos diferentes, isso é um fato. Não só homens e mulheres, brancos e negros, somos mesmo como seres humanos pertencentes à mesma raça, etnia, sexo e cultura, diferentes entre si. Mas essa diferença é suficiente para determinarmos diferentes considerações morais a diferentes grupos? Digo, essa diferença pode ser considerada para tratamentos discriminatórios? Por quê?

Jonh Rawls, filósofo político e teórico da ética, tentou colocar que todos os seres humanos são iguais a despeito de raça e sexo propondo que “uma vez alcançada a idade da razão, cada um tem e vê os/as outros/as como tendo um senso realizado de justiça” (Rawls, 2001, p. 254). Ou seja, segundo Rawls os seres humanos são iguais devido a sua capacidade moral de enxergar no/a outro/a igualdade, o que ele chama de “personalidade moral”. Um conceito bem parecido com Kant que baseia a igualdade dos seres humanos em sua capacidade de raciocínio. Como sintetiza Carvalho (2003) “o homem se identifica com a razão e todo ser racional é um fim em si mesmo”. E isso garante ao ser humano igualdade nas deliberações morais a despeito de raça e/ou sexo. Perguntamos-nos então se a capacidade de raciocínio é uma premissa suficiente para considerarmos a igualdade humana.

Singer (1979) nos propõe o seguinte exercício: se fizéssemos um teste de QI nos seres humanos, a fim de verificar sua capacidade de raciocínio e separássemos os seres humanos entre os que tiraram médias acima de 150, entre 100-149 e os que tiraram abaixo de 100. Nessa divisão social teríamos respectivamente os donos de escravos, os seres humanos livres, porém sem direito a escravos e os que tiraram a menor nota seriam escravos dos de maior nota. Uma divisão coerente com os preceitos de capacidade de raciocínio segundo Kant, porém uma tirania da qual, se não todos/as, a maioria dos seres humanos abominaria. Pontuando então que a condição de igualdade oferecida por Kant, não resiste a uma reflexão mais aprofundada.

Percebendo-se que não somos todos iguais, nem se quer em nossas capacidades de raciocínio, o que nos torna iguais a despeito de raça, sexo e, incluso agora, capacidade de raciocínio?

O que definiria então o ser humano como igual? Seria o polegar opositor e o tele encéfalo altamente desenvolvido (FURTADO, 1989)? Ora, então o que seria dos/as pessoas acometidas de graves deficiências físicas e/ou mentais? Nem todos/as temos o tele encéfalo altamente desenvolvido, outros/as nem sequer possuem polegar, ou sequer mãos! Seriam então essas pessoas não são passiveis de considerações morais?

Singer (1979) nos propõe o “princípio da igual consideração de interesses” em que ele pontua que todo interesse, a despeito de sexo, raça, etnia e/ou capacidade de raciocínio deve ser considerado, nas palavras do mesmo: “Um interesse é um interesse, seja lá de quem for esse interesse.”

Singer (1975) reitera também que “a igualdade é uma idéia moral, não a descrição de um fato” não havendo assim qualquer justificativa para que a diferença entre duas pessoas justifique diferentes considerações de seus interesses.

Fazendo uma aplicação prática desse princípio podemos imaginar dois indivíduos sentindo dor, em mesmo nível. O princípio fundamental para o alívio da dor é simplesmente a indesejabilidade da dor enquanto tal (SINGER, 1979), ou seja, a despeito da raça, sexo, etnia e/ou capacidade de raciocínio os interesses dos dois indivíduos são idênticos, não sentir dor. A dor de X e Y são consideradas igualmente segundo o princípio da igual consideração de interesses, e não apenas a dor de X ou a dor de Y.

O princípio da igual consideração de interesses não impõe que tenhamos um tratamento igual, mas que levemos em conta os interesses de todos/as envolvidos/as em nossas decisões com o mesmo peso. No caso da dor de X e Y podemos inferir que a dor de X seria mais forte do que a dor de Y, portanto atribuiríamos maior peso a dor de X, mas ainda assim o interesse de Y no alívio da dor seria levado em conta.

Na sociedade escravagista que imaginávamos - baseada na capacidade de raciocínio - o princípio de igual consideração de interesses também é suficiente para execrá-la na medida em que o princípio leva em consideração os interesses de cada pessoa por igual a despeito de suas “incapacidades”, desde que suas incapacidades não sejam relevantes para o interesse em questão, como por exemplo, a incapacidade mental grave se levássemos em consideração o interesse de uma pessoa em votar (SINGER, 1979).

É claro que não sabemos onde esse princípio pode nos levar enquanto não sabemos os interesses dos/as envolvidos/as. Como por exemplo, o interesse dos animais. Não temos nenhum canal de diálogo direto com os animais, portanto aparentemente não sabemos quais são seus interesses. Porém a proposta é que o princípio de igual consideração de interesses seja aplicado para além da capacidade de raciocínio, ampliando-se o princípio para aplicação, além de raça, sexo, etnia e capacidade de raciocínio, para espécie.

O que nos deixa numa grande “sinuca de bico” segundo o dito popular. Como aplicar o princípio da igual consideração de interesses sem sabermos os interesses dos seres envolvidos?

Sabe-se que os animais vertebrados, são seres sencientes, ou seja, capazes de sentir dor. E como já colocamos anteriormente, o interesse comum na da dor é a indesejabilidade de senti-la. Portanto o princípio da igual consideração de interesses deve ser aplicado para os animais na medida em que eles são capazes de sofrer e/ou sentir prazer. Essa capacidade de sofrer ou sentir prazer é um pré-requisito para que possamos delimitar os interesses dos indivíduos nas nossas deliberações morais.

A senciência, ou capacidade de sofrer e sentir prazer é um pré requisito para que algum indivíduo, independente da espécie, tenha interesses. Por exemplo: Se ao digitar esse texto meu computador falhasse e eu o chutasse, seria um contra-senso afirmar que não era do interesse dele ser chutado. Um computador não tem interesses, pois não tem a capacidade de sofrer, ele não sente absolutamente nada. Ao contrário de que, se nessa mesma situação, eu chutasse o meu gato. Posso afirmar com certeza que é do interesse do meu gato não ser chutado, pois se eu assim o fizer ele sofrerá. A senciência é, portanto, necessária e, também, suficiente para que possamos assegurar que um ser tem interesses. No mínimo, como já foi dito antes, o de não sofrer. Assim nossas deliberações morais devem ser aplicadas na medida em que elas não causem dor e sofrimento aos seres envolvidos.

Consequentemente não levar em consideração os animais em nossas deliberações morais só pode ser aceitas se forem deliberações de cunho especista.

O especismo é uma forma de discriminação tão arbitrária quanto o sexismo e o racismo. O especismo está para raça assim como sexismo está para o sexo. O especista, em suas deliberações morais, atribui maior peso a sua espécie tal qual um/a racista o faz para a sua raça. Nas palavras de Singer (1975):

“Os racistas violam o princípio da igualdade ao conferirem mais peso aos interesses de sua própria raça quando há um conflito entre seus interesses e os daqueles que pertencem a outras raças. Os sexistas violam o principio da igualdade ao favorecerem os interesses de seu próprio sexo. Analogamente, os especistas permitem que os interesses de sua própria espécie se sobreponham àqueles maiores de membros de outras espécies. O padrão é idêntico em todos os casos.”

Portanto, baseado no princípio da igual consideração de interesses o especismo é tão errado quanto o sexismo ou o racismo, pois baseia a suas considerações morais de acordo com um dado arbitrário, no caso a espécie, não levando em conta os interesses dos/as indivíduos envolvidos.

Se um ser sofre não há qualquer justificativa moral para não levarmos em conta esse sofrimento (SINGER, 1975). Independente de sua raça, sexo, etnia, capacidade de raciocínio ou espécie, um ser que sofre tem, no mínimo, o interesse em não sofrer, e de acordo com o princípio de igual consideração de interesses, devemos considerar tal interesse a despeito de características aleatórias, como a espécie. Esse princípio exige que esse sofrimento possa ser comparado, na medida do possível, em pé de igualdade com o sofrimento de outros/as semelhantes.

Sendo animais seres capazes de sofrer, e, portanto de ter interesses, tais quais não sofrer e realizar sua vida em liberdade, não há qualquer justificativa moral para não considerá-los em nossas deliberações morais.

Um pouco sobre o Blog

"Bem-vindo ao Ethos Animalis! Este blog foi criado por estudantes de Bioética, da Universidade de Brasília, com o intuito de levantar questões polêmicas e expor diferentes opiniões sobre a experimentação usando cobaias não-humanas. Serão abordadas várias situações, conceitos, exemplos, etc... Nosso objetivo também é mostrar o que já foi feito em prol dos animais no que diz respeito ao seu uso na Ciência. Sinta-se à vontade para comentar, criticar, sugerir, etc. Afinal, num espaço ético, opiniões são expressas e respeitadas!"

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