Ethos Animalis

"Os animais não são nossos para comer, usar, fazer experiências, ou para entretenimento."

Por Flávio de Assis M.T.
As primeiras manifestações, leis e sociedades em defesa aos animais surgiram na Inglaterra Vitoriana do século XIX; fruto, talvez das idéias de Jeremy Bentham. Bentham (século XVIII) foi um dos primeiros filósofos a discordar do pensamento cartesiano (os animais não possuem alma racional assim como os seres humanos). Bentham argumentou que o critério de identificação e respeito com os demais seres deve ser a capacidade de sofrer e não a capacidade de raciocínio. “A questão não é se eles pensam ou se eles falam, a questão é: eles sofrem.” Vários escritores e poetas simpatizaram com as idéias de Bentham e passaram a expressar em suas obras seu apoio e solidariedade a causa dos animais.
No século XIX, houve uma mudança de hábito na Inglaterra com a revolução industrial: Cada vez mais pessoas saíram dos campos em direção às cidades. As cidades afastaram o homem do habitat natural e aproximaram-no das máquinas. O afastamento da natureza fermentou o hábito de se criar animais dentro de casa nas grandes cidades inglesas. Foi o início dos chamados pets, animais que mantinham o contato dos seus respectivos donos com o campo, além de fazer-lhes companhia. Em alguns casos o animal de estimação era tratado com membro da família, podendo dormir no mesmo quarto ou até na mesma cama junto aos donos; tal hábito perdura nos tempos atuais.
A difusão de tal hábito mais as idéias de filósofos e artistas, em favor aos animais, colaboraram para a identificação entre os donos e os seus animas de estimação, e posteriormente englobando os demais animais.
A partir daí surgiram leis, sociedades e organizações em defesa aos animais: Em 1781 (final do século XVII) surge a primeira lei em benefícios aos animais. Em 1800 surge o primeiro projeto para acabar com as rinhas com touros e cães no Reino Unido. Em 1824 foi fundada a Sociedade para a prevenção de crueldades contra os animais, a qual se tornou Royal SPCA em 1840. Dedicava-se à aplicação das leis e à instauração de processos entre outras coisas. Depois vários outros países, ao exemplo inglês, criaram suas próprias organizações de proteção aos animais.
Em 1881, a Royal SPCA acusou David Ferrier, neurologista escocês, por não portar licença para operar animais em suas experiências. No entanto, logo foi esclarecido que as operações eram realizadas não por Ferrier, e sim por seu colaborador: o cirurgião Gerald Yeo, que possuía a licença e estava completamente de acordo com os trâmites legais. Além disso, as descobertas de Ferrier proporcionaram a localização de tumores e abcessos no sistema nervoso central por meio de sintomas e sinais clínicos; o que salvou e salva várias pessoas ainda hoje. Tal fato colaborou com a absolvição de Ferrier.
Desse acontecimento surgem dois questionamentos: Usar animais em pesquisas científicas é certo ou é errado? E o que se espera de um comportamento adequado com o uso de animais em laboratório?
Em 1934 surgiu no Brasil o decreto federal (número 24.645) que garante proteção a todos os animais, sem exceção. Em 1979 tal decreto se tornou lei. Estabeleceram-se, então, regras para o uso de animais em práticas didáticas e científicas. Tal lei engloba o registro dos Biotérios e Centros de Experimentação. Existe também o decreto de que cada biotério necessita da supervisão obrigatória de um médico veterinário. (Decreto Lei nº 64.704 de 17/06/69, Capítulo II, Art. 2º, itens "c" e "d).
Em 1984, o professor Fernando Sogorb da USP junto com um grupo de médicos veterinários funda o Colégio Brasileiro de Experimentação Animal (COBEA), que em 2008 mudou o nome para Sociedade Brasileira de Ciência em Animais de Laboratório (SBCAL). O objetivo da organização é promover o debater ético em relação ao uso de animais em laboratórios e fiscalizar se os princípios éticos (internacionalmente aceitos) estão sendo seguidos. Para tal a COBEA editou, em junho de 1991, os Princípios éticos na experimentação animal.
Os Princípios éticos na experimentação animal são um conjunto de normas para a utilização de animais em pesquisas e ensino. Essas normas zelam pelo planejamento das pesquisas e práticas didáticas de forma que reduza o número de animais ao mínimo necessário, diminua o sofrimento como for possível e somente utilizar animais quando realmente for imprescindível.
A maioria dos pesquisadores segue a conduta ética e possui a consciência que o animal estudado deve ser respeitado e é um ser passível de consideração. Apesar disso, “o pesquisador é muitas vezes apontado como um profissional frio e calculista, sem sentimentos (...) nenhum cientista, em sã consciência, teria prazer em maltratar animais”, escreveu Walter Colli no seu artigo na revista Ciência Hoje, Outubro de 2006.
Apesar de estarem de acordo com todos os princípios éticos, os pesquisadores enfrentam a oposição radical de grupos ativistas. Alguns exageram: atacam fisicamente e constrangem os pesquisadores. Ao exemplo do ocorrido com o professor Leopoldo de Méis da UFRJ. Apesar de seus experimentos serem aprovados pela comissão de ética, o professor Leopoldo foi acusado por maus-tratos com animais com base em uma foto tirada em seu laboratório ao qual mostrava coelhos expostos ao frio de 4 ºC. Foi chamado a depor na delegacia, onde explicou que tal espécie de coelho vive naturalmente nessas temperaturas.
O caminho para se retirar os animais dos laboratórios deve ser gradual; seja buscando alternativas (que tem se mostrado qualitativamente melhores), seja buscando maneiras de reduzir o número de animais e restringindo cada vez mais o uso para se evitar a futilidade.
Exemplo de futilidade em relação ao uso de animais:
Quando eu entrei na UnB pensava que uns poucos pesquisadores utilizavam animais em laboratórios. O segundo semestre foi uma surpresa: Geralmente se utiliza vários cachorros e rãs para as práticas de uma determinada matéria. Mas nesse semestre, por acaso ou sorte, o técnico veterinário se aposentou. A dificuldade de obter um substituto impossibilitou as práticas com os animais. A solução foi dar as aulas mostrando vídeos e fotos. Apesar do desapontamento de alguns amigos e colegas, tenho a certeza que aprendi a matéria muito bem, sem nenhum prejuízo em relação aos alunos dos semestres passados e não foi preciso sacrificar desnecessariamente mais um animal. Espero que a vaga de técnico veterinário não seja preenchida por ainda muitos e muitos semestres...

Referências:
http://enextranet.animalwelfareonline.org/Images/resources_Culture_false_A-History-of-Animal-Protection-Portuguese_tcm34-12137.pdf

http://www.rspca.org.uk (site da Royal SPCA)

Cem bilhões de neurônios, Roberto Lent. Página 397 – segunda edição.

http://www.cobea.org.br/ (Site da COBEA)

http://revistapesquisa.fapesp.br/?art=3445&bd=1&pg=2&lg= Artigo: “sem eles não há avanço” Fabrício Marques.

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Um pouco sobre o Blog

"Bem-vindo ao Ethos Animalis! Este blog foi criado por estudantes de Bioética, da Universidade de Brasília, com o intuito de levantar questões polêmicas e expor diferentes opiniões sobre a experimentação usando cobaias não-humanas. Serão abordadas várias situações, conceitos, exemplos, etc... Nosso objetivo também é mostrar o que já foi feito em prol dos animais no que diz respeito ao seu uso na Ciência. Sinta-se à vontade para comentar, criticar, sugerir, etc. Afinal, num espaço ético, opiniões são expressas e respeitadas!"

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